* Este texto será utilizado, durante o terceiro trimestre, na disciplina de Filosofia.
Desde o surgimento do homem, após o agrupamento do mesmo e o convívio social, uma troca de experiências e reciprocidade foi estabelecida.Todo o conjunto de conhecimentos e modos de agir e pensar dá origem à cultura, toda sociedade tem a sua, pois não existe sociedade sem cultura, independentemente do lugar.
Um recém nascido em seus primeiros minutos já começa, de certa maneira, a se socializar, pois existem várias pessoas ao seu redor criando uma relação social e cultural, quando estiver falando ou aprendendo a falar ele vai adquirir uma língua que é sem dúvida uma herança cultural, sem contar o seu modo de vestir que vai variar conforme o país, a alimentação, os rituais entre outros.
A identidade cultural caracteriza as pessoas pelo modo de agir, de falar, é como se as “rotulasse” a partir dos modos específicos de sua cultura. A cultura é fruto da miscigenação de diferentes povos que introduziram seus hábitos e costumes, com o contato de uma cultura e outra, pode gerar uma cultura ainda mais diferente. A identidade cultural move os sentimentos, os valores, o folclore e uma infinidade de itens impregnados nas mais variadas sociedades do mundo, e apresenta o reflexo da convivência humana.
Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira |
A identidade cultural é um sistema de representação das relações entre indivíduos e grupos, que envolve o compartilhamento de patrimônios comuns como a língua, a religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um processo dinâmico, de construção continuada, que se alimenta de várias fontes no tempo e no espaço.Como conseqüência do processo de globalização, as identidades culturais não apresentam hoje contornos nítidos e estão inseridas numa dinâmica cultural fluida e móvel.
A globalização é uma nova e intensa configuração do globo, a resultante do novo ciclo de expansão do capitalismo não apenas como modo de produção, mas como processo civilizatório de alcance mundial, abrangendo a totalidade do planeta de forma complexa e contraditória. O Estado-nação, símbolo da modernidade, entra em declínio. Como conseqüência, os mapas culturais já não coincidem com as fronteiras nacionais, fato acelerado pela intensificação das redes de comunicação que atingem os sujeitos de forma direta ou indireta. Grandes conceitos que informavam a construção das identidades culturais, como nação, território, povo, comunidade, entre outros, e que lhe davam substância, perderam vigor em favor de conceitos mais flexíveis, relacionais. Segundo Teixeira Coelho, as identidades, que eram achadas ou outorgadas, passaram a ser construídas. As identidades, que eram definitivas, tornaram-se temporáriasi. A diversidade cultural que o mundo apresenta hoje, as múltiplas e flutuantes identidades em processo contínuo de construção, a defesa do fragmentário, das parcialidades e das diferenças, trouxeram, como corolário, uma volatilidade das identidades que se inscrevem em uma outra lógica: da lógica da identidade para a lógica da identificação. Da estabilidade e segurança garantidas pelas identidades rígidas, à impermanência, mutabilidade e fluidez da identificação. Não é mais possível fechar em torno de uma só questão as referências da prática individual e coletiva, e as dimensões em que se situam, constantemente superpõem-se em vários estratos vacilantes, ressalta Tício Escobarii.
O que se impõe hoje, a partir da noção contingente, contextualizada e relacional da identidade, é garantir que a multiplicidade e a diversidade sejam preservadas, que a cultura, como uma longa conversa entre partes distintas, permita que convivam sujeitos dos mais diferentes matizes. Em vez disso, quando a cultura local parece esgarçar-se como conseqüência da globalização, a afirmação de identidades duras parece funcionar, para muitos sujeitos, como elemento apaziguador que busca deter e solidificar a fluidez característica da época atual. Verificam-se, então, manifestações extremadas, em que nacionalismos, fundamentalismos, xenofobias, preconceitos, são ressuscitados e lutas sem fim são travadas em nome da preservação de identidades.
Por outro lado, a defesa da preservação de identidades rígidas, muitas vezes, colide com valores tidos como universais e estabelecidos, que ferem a dignidade humana, como a subordinação da mulher em diferentes culturas, a circuncisão feminina, o cerceamento da liberdade individual, entre outros. O que se aponta aqui é o conflito entre a proteção de identidades e culturas locais e os direitos humanos universais, questão que contrapõe universalistas e relativistas culturais. A diversidade cultural e as expressões dessa diversidade devem ser buscadas e garantidas, tendo como norte o fato de que a cultura é sempre dinâmica, móvel. Preservar o diverso ante o impacto avassalador de um mundo globalizado, citando novamente Tício Escobar, é um grande desafio que devemos enfrentar.
Bibliografia
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. RJ: Jorge Zahar, 2001.
COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural. SP: Iluminuras, 1997.
MAFESOLLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.
SERRA, Mônica Allende (org). Diversidade cultural e desenvolvimento urbano. SP: Iluminuras, 2005.
Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira é bacharel em História pela FFLCH – USP, Licenciada em História pela Faculdade de Educação da USP, Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA – USP, Doutora em Ciência da Informação pela ECA – USP, Professora de Teorias da Ação Cultural na ECA – USP.
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